Em meio a todo o ruído, o ideal para qualquer criador de conteúdo é abraçar aquilo que torna seu ponto de vista único. Como acredito que sou uma das poucas especialistas em álcool e mercado de luxo do país com um entusiasmo fervoroso por K-Pop, começo o primeiro post do Guia Michelana com uma inspiradora citação do crítico gastronômico e membro de boyband Choi Soobin, do Tomorrow X Together: “Esperei por 20 minutos e nos deram…cebola”, dita em sua primeira visita a um restaurante premiado de alta gastronomia.
O assunto de hoje, expresso com clareza pela indignação de Soobin, é o que faz uma boa experiência em um bar ou restaurante, o alinhar de expectativa e resultado.
Em um dos poucos usos genuinamente inteligentes de Inteligência Artificial que observei no mercado nos últimos 2, 3 anos, a Business of Fashion criou o índice Brand Magic, um índice que aponta a saúde de marcas do segmento de moda a partir da congruência entre a imagem que a marca projeta em suas comunicações e a imagem que o público consumidor tem desta marca. Digamos que uma marca se vê como um ateliê de luxo com produção meticulosa de itens de couro e tecidos finos e o público a vê como a próxima camiseta de logomania que ele pode acabar comprando em um Duty Free - isso é baixa Brand Magic, e isso é um perigo para os negócios. Pergunte para a Kering.
É fácil ver essa métrica apenas como uma medida de valor percebido, algo que pode balizar sua precificação, ou seja, uma forma de saber se seu consumidor acha que seu produto vale o preço que está cobrando. Mas Brand Magic também diz muito sobre gestão de expectativas, e nesse sentido, é muito interessante aplicar isso como resposta a uma pergunta milenar da indústria dos serviços: o que faz uma boa experiência em um restaurante ou bar? Por que você pode sair igualmente feliz de um jantar no Fasano e um lanche em um food truck? E por que é tão decepcionante quando você espera 20 minutos e te dão… cebola?
Ao invés de falar sobre teoria por alguns parágrafos, prefiro exemplificar tudo isso com uma breve reflexão sobre dois dos melhores bares que visitei em 2024 - o Locale, em Firenze, e o Freni e Frizioni, em Roma.
Antes de qualquer coisa, um fato interessante: o preço dos coquetéis nesses dois bares não é tão diferente assim. As contas no final de cada noite foram bem próximas. E ambos estão listados dentre os 50 melhores bares do planeta de acordo com a 50Best/San Pellegrino.
Quando você entra no Locale, é recebido por uma hostess impecável, que lhe pergunta se você possui uma reserva e te leva para a sua mesa, uma elegante mesa alta em um jardim toscano. Uma música eletrônica “lounge” toca em uma altura que não atrapalha a conversa. Garçons extremamente cuidadosos bombardeiam a sua mesa com perguntas, cortesia, pequenos snacks e toalhinhas de mão.
No Freni e Frizioni você esfrega cotovelos com uma horda de jovens estilosos para entrar no salão repleto de faixas de times de futebol e memorabília. Se sentando no balcão, o mixologista de poucas palavras te dá o menu em mãos: uma roda com uma seta móvel, que você pode girar e deixar o destino escolher seu drink. Para encher a barriga, a sala ao lado inclui um buffet liberado de lanches como bacon e cachorro quente. Pegue seu pratinho e vá lá. No som, bandas como Strokes, Arctic Monkeys, The Clash e Cold War Kids tocam em alto volume. O banheiro é um capítulo a parte, uma cabine apenas, repleta de rabiscos de clientes que já passaram por lá e adesivos de origem Punk. Saí do bar implorando por uma camiseta da equipe - infelizmente, elas estavam esgotadas.
Nos dois bares comentei minha afiliação com a indústria etílica brasileira, e ambos os me levaram em experiências únicas por isso. O staff do Locale me levou ao subsolo do bar, uma área histórica que recebe eventos, confrarias e grupos pequenos, com adega e uma estrutura de produção de destilados e cordiais. Também me ofereceram um drink em cortesia; um que eles julgavam que eu simplesmente PRECISAVA provar. No frizioni? O mixologista de poucas palavras me chamou para o brinde da equipe. Um shot de tequila, claro.
Se você leu tudo isso acreditando que existe, claramente, um bar melhor entre os dois, te digo que sua conclusão não acompanha a percepção de quem realmente viveu essas duas noites. Foram noites perfeitas no que tange o casamento de expectativa e entrega. Não atrapalha também que os drinks em ambos eram absolutamente fascinantes.
O segredo é comunicar bem e com coerência a experiência proposta pelo estabelecimento. Se você sabe que, após 20 min, você ganhará cebola, a cebola não se torna uma frustração, uma experiência negativa. Se você vai ao restaurante preparado para receber essa cebola ela se torna uma feature, não uma decepção. It’s a kind of (brand) magic.
Muito bom! Eu nunca tinha ouvido falar sobre esse conceito, mas ele fez muito sentido. Consegui ir encaixando ele em várias situações que eu já vivi. Brilhante!