“-Estou chegando no shopping, onde te encontro?
- Ah, estou matando tempo aqui na livraria, te espero aqui”
Você se lembra dessa época? A época em que, quando precisávamos passar um tempo na região da Av. Paulista, entre o trabalho e um cinema, entre uma consulta médica e um almoço, buscávamos os pufes da Livraria Cultura ou os corredores da FNAC? E quem sabe, durante as horas de tédio, saíamos de lá com um livro, um moleskine, uma conta de uns 25 reais no café? Por um tempo as megastores de livrarias eram a maior referência no que chamamos de Terceiro Espaço. Hoje livrarias perderam sua batalha para os e-books e marketplaces digitais, e buscar soluções para a crise do Terceiro Espaço está no plano de marketing de algumas das maiores empresas do planeta.
O Terceiro Espaço é um espaço de convivência de qualquer formato, alternativo aos seus dois principais espaços, a casa e o trabalho. Ele deve ser convidativo, não só incentivando a entrada, mas também a permanência. Ele pode ser um parque, uma praça, um museu, mas também pode ser um espaço “branded”, como uma loja ou uma ativação de marca. Para isso, porém, é necessário uma revisão de tudo que o profissional de marketing aprendeu relacionado a aumento da rotatividade em lojas e pressão para conversão imediata.
Isso se tornou ainda menos desejável na era digital, afinal, se é para comprar, receber um produto e usar, não existe motivo nenhum para buscar o espaço físico da loja no lugar do e-commerce. No pós-pandemia o consumidor está desesperado pelos aspectos tangíveis da marca, pela interação com o vendedor, com o outro cliente, com o espaço. É necessário oferecer um serviço e um diferencial, oportunidades de entretenimento e enriquecimento cultural, uma boa atmosfera. Construir um Terceiro Espaço Branded é uma questão de convidar o seu cliente a puxar uma cadeira, esquecer o relógio e vivenciar a sua marca em outro ritmo.
Em minha recente viagem à Itália minha maior conclusão profissional foi exatamente a da centralidade do Terceiro Espaço para o mercado de luxo atual. Passando alguns dias em cidades como Milão e Florença você transitará por uma série engraçada de locais. Você pode ir do Museu da Armani para o Cinema da Prada em Milão, tomar um café no Café da Gucci em Florença e passear tranquilamente pelos arquivos da Ferragamo em um prédio histórico, terminando o dia jantando no restaurante da vinícola Antinori ou tomando um drink no bar da Dolce & Gabbana. Não ache que isso se limita à Itália. Nos EUA e Japão, por exemplo, podemos encontrar casos ainda mais peculiares, como a loja multimarca e grife de Streetwear Kith que lançou uma sorveteria, a Kith Treats, em suas lojas.
Os exemplos citados acima passam, principalmente, por um eixo em comum, que é o da utilização do espaço privado, proprietário da marca, para a execução desses Terceiros Espaços. Ontem (12/12) o mercado brasileiro foi agitado pela notícia de que, embarcando em duas tendências ao mesmo tempo (a do Terceiro Espaço Branded e a de Naming Rights, vide Morumbis, Estação Paulista/Pernambucanas, etc), a Elma Chips/Frito-Lay tentou lançar uma ativação de marca em grande escala, transformando o Largo da Batata, em São Paulo, em Largo da Batata Ruffles, com a proposta de revitalizar a praça e incluir espaços culturais e de convivência. A ação foi cancelada hoje pelo governo.
A escolha de aplicar a marca em um Terceiro Espaço público traz duas consequências principais, para além de qualquer discussão política. A primeira passa pelo questionamento da validade daquela velha máxima “falem bem, falem mal, mas falem de mim”. A ação reverberou em poucas horas nas redes sociais, com uma resposta em maior parte negativa, sendo percebida como uma apropriação indevida e oportunista de um espaço público. A segunda consequência é a falta de controle de marca em um espaço imprevisível, cercado por estabelecimentos já existentes e frequentado por pessoas que podem não desejar contato com a sua marca e ressignificar esse contato.
A ocupação do espaço público pela publicidade é um tópico sensível que exige dos profissionais de marketing e branding uma visão analítica sobre os hábitos dos frequentadores daquele espaço em um período anterior ao de sua ativação. Uma “grande sacada” no papel pode se tornar um pesadelo se o uso diário do espaço não for levado em consideração. O exemplo mais vívido disso nos últimos tempos é a ativação da série Senna na Estação de Metrô Paulista, que ignorou uma regra básica do marketing de experiência: você precisa do opt-in, você precisa que o consumidor tenha como transformar sua presença ali em uma declaração de consentimento.
O consumidor de um Terceiro Espaço tem que consentir que seu tempo será gasto ali, vivenciando a sua marca, e nada melhor para obter a garantia desse consentimento do que o criar em um espaço delimitado de consumo, com fronteiras claras, respeitando o ritmo do consumidor. “Se você construir eles virão”, já diz o filme Campo dos Sonhos. E se construir de maneira consciente, eles ficarão. E quem sabe farão até umas comprinhas. Tudo de acordo com um “Estou ciente dos termos de uso” assinado em mente na hora em que você passa pela porta do espaço.