Em algum momento após o advento de sites de compras de passagem e reservas de hotel e o relativo declínio da utilização de Agências de Viagem para lazer, instalou-se a ditadura da espontaneidade turística. As pessoas mais descoladas que você conhece pregam com crença total e inabalável que o ideal em uma viagem é não fazer planos, viver como um local, vagar pelas ruas ao invés de visitar pontos turísticos, absorver o ambiente.
Eu posso dizer, com absoluta certeza, digamos, com crença total e inabalável, que o hipster espontâneo que você idolatra, seu pequeno aprendiz de Bourdain, termina sua noite em um bar que nenhum local ousaria pisar e cai, enquanto acha que está escapando, em diversas armadilhas pega-turista. O jeito mais fácil de escapar do óbvio como viajante é… me desculpe pela má notícia… se planejar (ou, de acordo com a matéria mais recente da Thrillist, aproveitar o planejamento de um amigo).
Abaixem os tridentes e as tochas e me leiam por alguns instantes. Eu também já tentei ser espontânea em viagens, e isso me fez entrar em um “restaurante arrumadinho” em Puerto Madero em Buenos Aires no qual eu gastei 200 reais com uma carne decepcionante. No dia seguinte, um dia que eu tinha realmente planejado com antecedência, jantei no Don Julio anos antes do hype pelo mesmo preço. Depois da minha dose de romantização de “perrengues chiques”, me tornei uma testemunha da planilha de viagem, e canto suas vantagens sempre que necessário.
Estou, nesse momento, dando os últimos retoques na planilha da minha próxima viagem (que acontece em 19 dias e tem como destino a costa leste dos EUA). Mas para ensinar a vocês a arte da programação minuciosa, melhor utilizar como exemplo o passado. Conheçam, abaixo, a temida planilha da minha viagem para Itália:
O primeiro passo para o planejamento de uma viagem, para mim, é a partir da definição dos dias a serem passados em cada cidade, decidir como organizar as atrações da cidade por bairros, colocando em cada dia pontos turísticos, museus e restaurantes relativamente próximos ou com transporte fácil entre eles, o que imediatamente te libera tempo livre que você gastaria normalmente pipocando em cantos diferentes de uma metrópole. Se você não quer passar grande parte do seu dia conhecendo apenas todas as linhas de metrô de uma cidade, eu recomendo bastante essa etapa.
Um jeito simples de fazer isso é colocar em uma aba da planilha todos os locais que você faz questão de conhecer, olhar suas localizações no Google Maps e colorir cada um com uma cor de acordo com seu bairro. Assim você cria dias completos de programação, prontos para serem encaixados em um dos dias que você passará na cidade. A dica para encaixar cada programação nos respectivos dias é deixar que a própria programação de cada museu e restaurante te dê as respostas. Se um museu fecha na segunda, e outro na terça, ou se um restaurante só tem reservas disponíveis para a quarta, as decisões já vão sendo feitas por você.
Não sabe onde encontrar restaurantes e bares legais, que não sejam armadilhas para turistas? A primeira dica é difícil de conseguir para alguns destinos: tenha amigos locais. Mas alguns sites funcionam “como amigos locais” se você souber pesquisar e filtrar. Alguns dos que eu mais utilizo são as listas de 38 Restaurantes Essenciais de cada cidade na revista Eater, o site colaborativo Opinionated about dining e sua lista de melhores casuais e cheap eats locais, e, com muito cuidado, os prêmios e recomendações do 50 Best Discovery, 50 Best Restaurants e 50 Best Bars.
Cruzando os bairros que você quer visitar com as melhores opções de comida e bebida na região você organiza sua viagem facilmente. O próximo passo é garantir que você conseguirá realmente ir a esses locais. Reservas em restaurantes e compras antecipadas de ingressos te garantem menos tempo gasto em filas, menos frustração perdendo seu lugar e maior facilidade na sua programação financeira, diluindo os gastos nos meses próximos. Sem contar que alguns museus como o Museu Vaticano têm seus ingressos esgotados com semanas de antecedência, e se você não compra seu passe na hora certa, você fica preso entre duas opções: perder um grande ponto turístico ou correr o risco de ser extorquido em um ingresso de segunda mão.
Na planilha principal uso um código de cores para monitorar quais reservas já foram feitas (cor verde), quais estabelecimentos não permitem reserva (cor azul) e quais precisam ainda da conclusão da reserva (cor amarela). Essa última é a mais importante, pois uma tendência global é a da liberação de reservas apenas 1 semana antes ou 1 mês antes para certos estabelecimentos em apps como Resy, Get in e OpenTable.
Não perca a noção dos seus gastos criando uma aba paralela em que você coloca o valor de todos os museus e passes, e se os mesmos já foram pagos. Coloque todos os comprovantes e ingressos em uma pasta do Google Drive, facilmente acessível no seu celular, e se está viajando acompanhado, compartilhe essa pasta com sua companhia.
Se a cidade que você vai visitar disponibiliza City Pass, essa parte da planilha se torna particularmente útil. Com todos os gastos de transporte e ingressos para principais museus já colocados no “papel” você consegue ver se o passe em questão tem bom custo-benefício. Isso é completamente relativo de acordo com seus planos. O passe de Florença se encaixou como uma luva em meus planos, assim como o de Milão. O de Roma e o de Boston não.
Claro que nada disso te blinda completamente em relação a surpresas, atrasos de trens ou voos, quedas de energia que impedem um restaurante de abrir naquela noite, ou de uma ressaca que te faz repensar seu pub crawl da noite seguinte. Entretanto, com planejamento, se torna mais fácil resolver essas surpresas. Se você pesquisou estabelecimentos em uma cidade e selecionou 3 para visitar, você provavelmente terá em mente 1, 2, 3 que ficaram de fora do corte final. Deu com a porta na cara naquele bistrô imperdível? Bom é que você sabe que algumas quadras para a esquerda existe aquela pizzaria cheia de hype.
A conclusão: planejar te ajuda a ser espontâneo nos pequenos momentos, aumenta seu tempo livre para explorar um lugar, evita sustos e gastos extremos surpreendentes e permite que você lide com crises com maior tranquilidade.
Eu procuro um meio termo. Deixo um roteiro bem detalhado para a maior parte da viagem, faço reservas e compro ingressos com antecedência, mas deixo espaço na agenda pra atividades não planejadas.
Assino embaixo. Sou totalmente contra a espontaneidade em viagem. Na minha última da Italia eu organizei tudo no Notion e amei, inclusive check list do que levar 💜